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GSF – A questão primordial para estabilidade do setor elétrico

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Daniel Faller – Diretor Executivo da HydroFall Consultoria, sócio fundador da Lummi Energia, membro do Conselho da ABRAPCH e Diretor de Engenharia e Obras da APESC.

Cristiano Tessaro – CEO da Camerge e Diretor de Comercialização da APESC


O GSF, sigla em inglês que significa Generation Scaling Factor, é um fator que estabelece a relação entre o volume de energia efetivamente produzido e a soma da garantia física das usinas que compõem o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), através desse fator a garantia física de cada usina é mensalmente ajustada, de modo que o risco hidrológico do sistema seja proporcionalmente alocado para cada usina hidrelétrica.

Desde 2014 os geradores de energia hídrica, que integram o MRE, vêm sofrendo significativas perdas financeiras em razão dos efeitos do ajuste mensal de garantia física, resultado do menor volume de geração dessas usinas frente a sua garantia física.



Figura 1 – GSF médio anual: Fonte CCEE




A medida que o problema tomou um volume mais expressivo os agentes começaram a pleitear na justiça uma limitação para os efeitos desse ajuste mensal, gerando um efeito cascata, inclusive sobre a liquidação financeira, assim o mercado de energia passou a ser regido por determinações judiciais e não mais por suas regras.

A verdade é que negligência do governo, e das entidades que gerenciam o setor elétrico, diante de tal problema transformou o GSF em um problema capaz de desestabilizar um dos pilares da economia brasileira. Ao invés de atuar fortemente na causa, o foco foi resolver os efeitos e a primeira saída encontrada, em 2015, foi transferir o risco hidrológico para o consumidor, sem, no entanto, agir nas causas do problema.

As soluções de curto prazo, que hoje contribuem para onerar a tarifa de energia, contemplaram a maior parcela do mercado, porém restam agentes que permanecem com indefinição frente a falta de gestão do problema no passado, especialmente as CGHs no ACL, que por isonomia precisam ter um tratamento justo e adequado.



Figura 2 – Histórico mensal do GSF – Fonte CCEE

Resta claro que a solução do tema passa por uma completa reestruturação do MRE, dado que nesse momento o GSF não carrega somente o risco hidrológico do setor, um exemplo disso é que em 2022 tivemos um ajuste de 14% sobre a Garantia Física das usinas hidrelétricas, mesmo com recordes de afluência e armazenamento nos reservatórios.

De igual forma em 2023 é previsto novamente que o GSF esteja na casa de 86%, portanto, existem questões muito maiores que o déficit hídrico contribuindo para essa situação.

Talvez o primeiro e mais determinante seja a superestimativa da garantia física frente a geração efetiva das usinas, um problema estrutural do setor elétrico que vem sendo discutido há muito tempo, porém sem nenhuma ação efetiva por parte do governo. “Empurrar” esse problema até os dias atuais só criou uma bola de neve que não para de crescer.

Outro ponto bastante sensível é a mudança estrutural da matriz energética, onde as fontes intermitentes (especialmente solar e eólica) passaram a ser muito mais representativas, tendo inclusive despacho prioritário em determinados momentos, necessitando de fontes com “energia firme”, como as usinas hídricas, para fazer o fechamento do balanço entre geração e carga em tempo real.

Diante disso é fundamental que todo o MRE seja redesenhado, de tal forma que suas regras representem a realidade atual do setor elétrico brasileiro, como pontos principais entendemos que as reformas devem envolver:

· Revisão ordinária de garantia física das usinas, de modo que no longo prazo a GF represente a geração efetiva, esse mecanismo deve ser acompanhado de um ajuste nos montantes alocados nos contratos no ACR (longo prazo) de modo que todo o sistema se beneficie (geradores e distribuidoras). Para cobrir eventuais déficits devem ser permitidas alocações de energia entre geradores e distribuidores de modo a evitar exposição involuntária ao mercado de curto prazo;

· Ajustar o mercado de serviços ancilares, de modo que exista uma tarifa que reflita o benefício efetivo para o sistema de serviços como: correção de fator de potência, reserva girante, etc;

· Criação de uma remuneração para disponibilidade de potência para atendimento a horários de ponta;

· Expurgo de todos os fatores não ligados diretamente a indisponibilidade hídrica do cálculo do GSF;

Aplicar as medidas acima de forma rápida é uma utopia, neste momento o setor elétrico pode ser comparado com um “cobertor curto para uma cama grande”, quando tentamos cobrir uma parte, descobrimos outra. Não existe solução fácil, é necessário envolver todos os agentes e organismos reguladores do setor. Talvez uma das soluções menos traumáticas e mais criativa vista nos últimos tempos foi a de utilizar o “ativo regulatório” como meio de viabilizar os ajustes necessários.

É fundamental a criação de um mecanismo para atenuação de perdas para geradores em relação a Garantia Física de suas usinas. Nesse sentido a extensão de outorgas e autorizações torna-se um mecanismo eficaz para evitar um novo imbróglio jurídico, ressaltando a segurança regulatória para os empreendedores.

Os ajustes precisam ser pensados de forma que os empreendedores não fiquem à margem de uma solução justa e eficaz, garantindo o devido retorno do investimento para os empreendedores que apostaram no setor elétrico, mas principalmente gerando condições para um desenvolvimento equilibrado do mercado.

Uma efetiva solução para o GSF pode, aparentemente, em uma análise simplista e rasa, desfavorecer alguns segmentos do setor elétrico, porém considerando as particularidades do sistema e os reflexos de médio e longo prazo, uma reforma no MRE traria ganhos para o sistema e agentes envolvidos, tais como:

· redução drástica no custo do GSF;

· compatibilização da geração das usinas hídricas com suas respectivas Garantias Físicas;

· maior demanda por novos empreendimentos de geração;

· maior previsibilidade e alocação adequada dos custos de geração e do MRE;

· menor dependência de geração térmica;

· redução do tempo em bandeira amarela e vermelha;

· redução de encargos setoriais e custo de energia;

· convergência entre a disponibilidade energética no planejamento e na operação do dia a dia do sistema elétrico.

A medida que o tempo passa fica mais complexo resolver questões estruturais tão importantes para o setor, o momento atual é oportuno, pois combina um cenário de preços baixos no mercado de curto prazo e sobre contratação de muitas distribuidoras. Agora basta querer fazer!

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