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Serviços ancilares − com a palavra, o setor elétrico


 


Mário Luiz Menel da Cunha. (*)

Paulo Sehn (**)


Os serviços ancilares têm o papel de garantir a segurança e a qualidade indispensáveis à realização da entrega do produto energia. Quantificados e contratados pelo Operador do Sistema (ONS) de acordo com os requisitos de segurança e confiabilidade, esses serviços são divididos em três grupos:

· controle de tensão – visa compensar a energia reativa do sistema. Realizado principalmente por máquinas síncronas, atua especificamente com essa finalidade (compensadores síncronos) ou, então, injetando/absorvendo reativo simultaneamente à geração de potência ativa;

· controle de frequência – responsável pelo equilíbrio entre carga e geração. O controle de frequência exige a manutenção da Reserva de Potência Operativa (RPO), energia ativa necessária para atuar imediatamente quando da ocorrência do desequilíbrio entre carga e geração;· controle de emergência – serviços utilizados com o intuito de evitar grandes perturbações, como o corte de carga e de geração e a recomposição do sistema pós contingência , a exemplo do autorrestabelecimento.

No Brasil, os serviços ancilares são tratados pela Resolução Normativa 1.030/2022, da ANEEL, que estabelece as diretrizes para contratação e pagamento pela prestação dos serviços.

Vale destacar que os principais serviços ancilares (compensação síncrona, controle secundário de frequência e autorrestabelecimento) são executados exclusivamente por usinas hidrelétricas, as quais recebem remuneração insuficiente, somente para cobrir custos de operação e manutenção, sem incluir aqueles de oportunidade e desgaste das máquinas.

O pagamento dos serviços ancilares se dá por meio do Encargo de Serviços de Sistema.

Os valores gastos com serviços ancilares no Brasil representam, em média, 0,3% do total de recursos verificados no mercado de energia, bem abaixo dos típicos 3% verificados em outros países. Essa diferença de 10 vezes deveria estar sendo paga por agentes setoriais que se beneficiam do fornecimento dos serviços ancilares prestados por hidrelétricas e que hoje não pagam por isso.

A dependência das usinas hidrelétricas tem sido a principal preocupação em relação ao futuro dos serviços ancilares. A expansão da matriz baseada em fontes intermitentes e as restrições hidráulicas registradas nos últimos anos levaram ao aumento expressivo do requisito desses serviços.


A expansão da matriz com base em fontes intermitentes impõe dois desafios aos serviços ancilares:

· a imprevisibilidade da geração demanda maior quantidade de RPO para manter o equilíbrio entre carga e geração. A regulação atual estabelece a necessidade de reserva equivalente a 6% de geração eólica no NE e 15% da geração eólica no Sul. Para 2023, projeta-se cerca de 694 MWmed;

· a intermitência das fontes, em especial as usinas fotovoltaicas, trona as redes altamente capacitivas em momentos em que não é transmitida energia, exigindo ações constantes para manter o equilíbrio da potência reativa.

A escassez de RPO já é evidente quando da necessidade do despacho termelétrico fora da ordem de mérito destinado a preservar as usinas hidrelétricas participantes do CAG. Ainda, é preciso dar atenção ao impacto verificado no Preço de Liquidação das Diferenças – PLD, tendo em vista a modelagem utilizada no Dessem (programa de computador que define o despacho das usinas e o valor do PLD). Um estudo elaborado pelos técnicos da ABIAP em 2021 investigou esses impactos: o resultado apontou que a modelagem adotada provoca uma elevação de até 75 R$/MWh no PLD do submercado Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO).


Para 2023, o ONS projeta a necessidade de 6.388 MWmed de RPO para todo o SIN, 11% superior ao estimado para o ano anterior e 27% superior ao pretendido para 2021, evidenciando a alta taxa de crescimento desse requisito para o SIN.

Quanto ao controle de tensão, o desafio é contornar o efeito da intermitência de geração na rede de transmissão, necessitando da compensação da energia reativa. No Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo – PAR/PEL 2023-2027, o ONS destaca as dificuldades para efetuar o controle de tensão, associado a dois fatores: demora para instalação de equipamentos pelas transmissoras e a expressiva ampliação da Micro e Mine Geração Distribuída – MMGD (aumento de 7 GW somente em 2022) concentrada em pontos específicos do sistema.

No que se refere aos serviços voltados ao controle de emergência, existe uma preocupação ligada à expansão da geração distribuída. Os inversores utilizados nos painéis fotovoltaicos deixam de injetar energia na existência de oscilações de frequência da rede − característica que pode levar à perda de grandes blocos de geração em momentos de contingência, aumentando o risco de blecautes no sistema.


O aumento observado da demanda por esses serviços enseja aprimoramentos. Para tanto, é indispensável reconhecer o esgotamento do atual modelo econômico do SIN, onde a expansão é feita principalmente por geração intermitente e suportada predominantemente por usinas hidrelétricas, e a remuneração se baseia apenas na energia gerada.

A correta remuneração pela prestação dos serviços é a discussão central sobre o tema e tem como finalidade tanto a cobertura dos custos aos agentes prestadores dos serviços quanto sinalizar o custo de oportunidade para entrada de novas tecnologias. A solução pode ser desenvolvida por meio da criação de mercados para aqueles serviços que permitem maior competitividade, ou mesmo por meio de tarifas reguladas que visam apenas àrecuperação de custos pelos agentes.


Ainda, discute-se a aplicação de soluções segundo as quais deve ser dado incentivo ao motivador da necessidade, de maneira que ele, minimamente, faça parte da solução, buscando a correta alocação de custos. Nesse caso, recursos voltados à prestação de serviços seriam requisitos para instalação de algumas fontes de geração.

Diversas discussões promovidas pela ANEEL e pelo MME trouxeram clareza aos desafios enfrentados pelo setor em relação ao tema. Entretanto, ainda não há uma definição da direção das soluções a serem adotadas. O sandbox regulatório, estabelecido pela Lei Complementar 182/2021, pode ser Um importante aliado para criação e teste de estruturas de mercado, capazes de permitir a quantificação dos preços associados a cada serviço, bem como o desenvolvimento de novos serviços focados na segurança elétrica e energética do SIN. Ou seja, há necessidade de uma melhor alocação dos custos do sistema.

A restruturação do modelo comercial envolvendo os serviços ancilares é peça essencial para fazer frente aos desafios da expansão da matriz baseada em fontes intermitentes. Para tanto, cabe ao setor elétrico decidir se mantém o atual modelo ou se busca soluções para atrair tecnologias que possam não só fornecer energia, mas também prestar os serviços ancilares. Os sinais de esgotamento parecem claros, é preciso buscar a solução. O setor elétrico está com a palavra.


(*) Presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (ABIAPE)

(**) Diretor de energia na Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (ABIAPE)

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